sexta-feira, junho 15, 2007

RAUL LINO
AS RAÍZES DE UMA ARQUITECTURA TRADICIONAL PORTUGUESA

Raul Lino Nasceu em 1879 e morreu em 1974, tornando-se desde cedo, apesar de desprezado e odiado por muitos (por ser um arquitecto do regime), um arquitecto de referência no panorama da Arquitectura Portuguesa do séc. XX. E porquê?
Porque o passado, a tradição e a questão da “Casa Portuguesa”, que inventou e que transformou numa questão da “Arquitectura Portuguesa”, fazem parte de nós, de um determinado tempo e de uma história, logo, não a podemos negar.
Raul Lino passou a sua infância em Lisboa, até aos 10 anos, idade a partir da qual foi educado na Grã-Bretanha. A partir de 1893, foi estudar para duas escolas técnicas, em Hannouver, na Alemanha. Aí conheceu o Professor e Arquitecto Albrecht Haupt (que influenciou nítidamente o seu trabalho), com quem estabeleceu uma profunda relação, não só de amizade, mas também profissional. Albrecht Haupt era um conhecedor profundo e interessado pela arquitectura tradicional Portuguesa, o que fez com que Raul Lino, no período de dois anos em que trabalhou no seu atelier, recebesse de si todo o conhecimento e apreço sobre aquilo que viria ocupar toda a sua vida. Assim, quando volta a Portugal, com 18 anos, traz consigo uma força inesgotável de nacionalismo e uma imensa vontade de defender, uma arquitectura tipícamente Portuguesa. Norteado pelas filosofias e linguagens da Arte Nova, do Romantismo Alemão e de um “Domestic Revival”, todo o seu trabalho, procurou enfatizar a “Casa Portuguesa”, através da busca dos valores tradicionais nacionais. Desta maneira, ele proclamou de uma forma (não só) teorizante, os seguintes princípios que se deveriam aplicar, na chamada “Casa Portuguesa”: Emprego do alpendre; utilização do beiral à Portuguesa; utilização de cantaria nos remates dos vãos; emprego de azulejos; uma forte relação luz/sombra; harmonia na disposição dos espaços; importante relação com a natureza.
Através dos livros e textos publicados, Raúl Lino, quase de uma forma pedagógica, ensinava como se poderia viver numa casa. Transmitia as directrizes para um correcto modo de habitar em harmonia com a arquitectura e com a natureza.

Segundo ele, na sua obra literária “Casas Portuguesas”:
“...não compliquemos o problema da habitação pelo respeito de certas convenções que em nada nos ajudam a viver; cuidemos antes de facilitar a realização de um sonho que continua a ser muito humano e que, pelo caminho que a vida vai a tomar, cada vez mais se justifica – o sonho de uma moradia própria, independente, ajeitada à nossa feição e adereçada ao nosso gosto; reduto da nossa intimidade, último refúgio do indivíduo contra a investida de todas as aberrações do colectivismo. Que a casa seja reino para uns, simples ninhos para outros, palácio, baluarte, ou choupana – façamo-la verdadeiramente nossa, reflexo da nossa alma, moldura da vida que nos é destinada.”

Viveu quase 95 anos, conhecendo assim, diferentes gerações de arquitectos, diferentes ideias e filosofias de pensamento, o que teve como consequência, alguns conflitos com os arquitectos mais novos.
De entre as várias actividades que desenvolveu, apontam-se as de arquitecto, decorador, escritor, coreógrafo, aguarelista, ceramista, desenhador, etc. Foi sobretudo um pensador, um crítico e um humanista, que se preocupava com a natureza e com a vida, na maneira como defendia as raízes culturais portuguesas.
Com mais de meio século de actividade profissional exercida, Raul Lino foi autor de mais de 700 projectos de arquitectura ao longo da sua vida, entre os quais se destacam: 1900 – Pavilhão Português da Exposição universal de Paris; 1904 – Casa dos Patudos, em Alpiarça; 1901/1906 – Conjunto de casa no Estoril; 1905 – Jardim Zoológico de Lisboa; 1912 – Casa do Ciprestre, em Sintra; 1917 – Museu e Jardim – escola João de Deus; 1924 – Cinema Tivoli, Avenida da Liberdade; 1940 – Pavilhão do Brasil, na Exposição do Mundo Português.
Foi ainda autor dos seguintes textos: «A Casa Portuguesa» (1929), «Casas Portuguesas» (1933) e «A Evolução da Arquitectura Doméstica em Portugal» (1937), «Quatro Palavras sobre Urbanizações» (1945) ou «Quatro Palavras sobre Arquitectura e Música» (1962).
Na década de 30, foi atribuido o prémio Valmor a uma moradia sua, localizada na Rua Castilho. Esta moradia foi demolida em 1982, sendo posteriormente, substituída por um parque de estacionamento. É de lamentar esta má gestão do património arquitectónico em Portugal, onde vontades alheias (sobretudo políticas e económicas) destroem parte do nosso legado e da nossa história. Infelizmente, muitas situações idênticas a esta aconteceram no passado. Uma série de edifícios galardoados com este prémio (que pretende distinguir a qualidade arquitectónica em Lisboa, nas diferentes épocas) foram demolidos. Apesar disto, sabe-se que as cantarias, colunas e portões da moradia galardoada com o prémio Valmor, da autoria do Arquitecto Raul Lino, foram aproveitadas e reutilizadas como elementos constituintes do “Páteo Alfacinha”.
Raul Lino destaca-se assim, como um dos arquitectos mais notáveis do séc. XX (sobretudo do início). Desde as suas ideologias teóricamente expressas, até à sua prática profissional, provaram toda a sua busca por uma expressão tipicamente Portuguesa. A sua criatividade aliada com os seus profundos conhecimentos sobre a temática da construção marcou uma época e impôs uma tradição, que nunca poderá ser esquecida, porque pura e simplesmente é história.