quarta-feira, agosto 29, 2007

PINTURA
Márcio Campos: a Arquitectura da cor

Texto de: António Branquinho Pequeno, ULHT - Lisboa, Agosto de 2007

"Em Arte, o que se pode dizer em palavras não conta”
Henri Matisse

Não será tanto assim. Não se pode castrar a palavra com esta ligeireza, nem tomar à letra as palavras do mestre francês acima referidas. A palavra, quando é boa, enriquece a Arte. Esta não tem o monopólio de emoção. O próprio Matisse reflectiu sobre a sua pintura e a dos outros, quando afirmava que “a composição é a arte de colocar, de modo decorativo, os diversos elementos de que o autor dispõe para exprimir os seus sentimentos” e que “a expressão está na disposição do meu quadro: o lugar que ocupam os corpos, os vazios que os rodeiam, as proporções, tudo isso tem a sua parte”.
Não há fronteiras entre a Arte e a reflexão. Já Leonardo Da Vinci bem dizia que a Pintura é “cosa mentale", coisa de palavras portanto. Artistas plásticos houve e continua a haver, de entre os melhores, que muito privilegiaram o discurso sobre a Pintura: Não foi a “Bauhaus” uma Escola de reflexão? Que se recorde Kandinsky, Klee e, mais perto de nós, noutras latitudes, o catalão Antoni Tàpies, entre tantos.
Para voltar à composição, parece-me evidente a existência de uma visão arquitectónica no trabalho pictórico de Márcio Campos. As suas volumetrias e a distribuição dos “vazios” obedecem a uma geometrização bem definida (Cf. Paisagem infinita, 2005). Presente ainda, essa visão, no equilíbrio e no modo como o artista resolve as proporções. As próprias paisagens são construções, a recusar vergarem-se à tentação fácil do figurativo. Com efeito, ele não retrata, antes vai buscar ao real o que aí há de pertinente a seus olhos. Ele analisa, no sentido químico da expressão, e dessa “psicanálise” retira os elementos fundamentais. A proposta, na peça “Camões”, não é mostrar o personagem. É sugeri-lo, fazer com que adivinhemos, não tanto o épico, mas sobretudo o grande poeta trágico
Uma Pintura que tem, por outro lado, algo de escultórico, pelo modo como se “talha” a cor. Diria mesmo, quanto a este último aspecto, que há em Márcio Campos uma arquitectura da cor (Cf. “Raças” e “ Paisagem infinita ”) Uma cumplicidade que reforça a componente trágica, também presente em “ Shadows I e II ”- ao que parece aqui invadidas pelo fogo do “Inferno”- ou ainda em
“Cold dead body ”, “Paisagem infinita” e “Mulher sem rosto”. Esta apetência pela cor é também, como em Matisse, mais uma vez, do domínio da sensualidade, “um meio de expressão íntimo” tal como o mestre escrevia na célebre carta a Henry Clifford em Fevereiro de 1948.
Que não se pense no entanto que o código cromático, nestas aguarelas, é dominado pelos contrastes. A fronteira entre os vermelhos e os laranjas, em “Repouso da bailarina”, logo se esfuma e se dilui, já que esse repouso obriga a uma gradação suave e exclui qualquer forma de agressividade. Em certos casos, há no entanto fractura cromática, como em “Paisagem rasgada”, com mancha azul informe em fundo castanho.
Visíveis ainda, no trabalho deste artista, algumas marcas de “fauvisme”, sobretudo na simplificação das linhas.
Falou-se de Arquitectura nesta Pintura. Diria enfim, nesse registo, que o traço, o desenho, se encontra aqui dissimulado. Com Márcio Campos, estamos em presença de um desenho natural, que faz recordar o famoso grito que Toulouse Lautrec lançou, já no fim da vida: “Até que enfim... que já não sei desenhar”
António Branquinho Pequeno, ULHT
Lisboa,
Agosto2007