"Um gato virou museu.
Era uma vez um imperador chinês que gostava muito de gatos e lembrou-se de chamar o pintor mais conceituado do império para lhe desenhar um gato. Ao artista agradou-lhe a ideia e prometeu que iria trabalhar no assunto. Passou um ano e o imperador lembrou-se que o pintor ainda não tinha entregue o desenho do gato. Chamou-o: Qué do gato? Está quase, está quase! disse o artista. Passou mais um ano e outro, e outro, e a cena repetia-se. Passados sete anos a paciência do imperador esgotou-se e mandou chamar o pintor. Qué do gato? Já passaram sete anos, prometeste, prometeste e ainda não vi gato nenhum! O pintor pega numa folha de papel de arroz, num tinteiro de tinta da china e num daqueles pincéis que só existem no oriente e... Num gesto elegante e sublime desenha um gato, que não era um gato mas o gato mais belo que jamais foi visto. O imperador ficou extasiado, deslumbrado, e perante tanta beleza, não se esqueceu (coisa que hoje em dia deixou de ser hábito) de perguntar ao artista quanto queria por tão belo desenho. O pintor pediu uma soma que espantou o Imperador. Tanto dinheiro por um desenho que tu fizes-te em dois segundos, à minha frente!, disse o imperador. Pois é Excelência, mas andei sete anos a desenhar gatos, disse o pobre do pintor.
O projecto para o Museu Mimesis, já em construção na nova cidade Paju Book City na Coreia do Sul é um gato. O cliente não esperou sete anos para ter o seu desenho do gato, mas o Álvaro Siza desenha há mais de sete anos. Nunca viu um gato coreano, porque nunca lá esteve.
Num dia expliquei-lhe o local e mostrei-lhe uma pequena maqueta do terreno, dos limites e das envolvências. Num gesto único saiu um gato. O Mimesis é um gato. Um gato enrolado e também aberto, que se espreguiça. Está lá todo, basta ver, rever. Os colaboradores não percebiam, no início, que aquele esquisso, o gato, era, é um edifício. Eu já vi muitos desenhos de gatos, deslumbro-me sempre, não me habituo, quero ver mais gatos, mais esquissos de gatos, pois já se passaram muitos sete anos.
Em arquitectura depois do esquisso vem a tormenta. Segue-se o estudo prévio, as maquetas, os desenhos, as correcções destes, as dúvidas, novos desenhos e novas maquetas, a apresentação ao cliente que já tinha visto outros projectos mas que não escondeu a sua surpresa. Ficou aprovado e prosseguimos com as fases habituais que na Coreia são mais curtas e desburocratizadas. O programa não se alterou mas é necessário realizar acertos de evolução do processo, introdução de materiais, técnicas e infra-estruturas, códigos de representação para que todos percebam, numa tentativa que nada falhe. Na cave estão os arquivos e áreas técnicas, talvez uma extensão do espaço expositivo, pois já é hábito nos museus projectados pelo Álvaro Siza. O piso térreo é espaço de recepção, distribuição, áreas de exposições temporárias e um cafetaria/restaurante e necessárias infra-estruturas. Nas mezzanines estão localizadas as áreas administrativas, circulação e área de arquivo administrativo e instalações sanitários de funcionários. O piso superior é espaço expositivo.
A luz, sempre a luz, estudadíssima, tanto a natural como a artificial, pretende-se essencial, que permita ver e que não se veja. Maquetas e mais maquetas, nalgumas entra-se dentro. Imagens em 3D, também. A forma será dada por betão aparente, cinza claro, cor de gato. Por dentro o branco das paredes e tectos, do mármore que se pretende de Estremoz e o mel da madeira de carvalho. Madeira nos caixilhos interiores, vidro. Nos exteriores madeira e aço pintado, vidro cristalino.
A obra prossegue, nós também, é assim na Coreia. A obra é de difícil execução, preocupa-nos o emprei-teiro, os vários envolvidos. Os nossos amigos e partners, entusiasmados, tranquilizam-nos.
Desenhar um gato é mesmo muito difícil, experimentem! Pode demorar sete anos! Pelo menos!"
Notas de autor, Revista Archinews nº 12
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